A decisão alemã contra “CO2‑neutral” elevou o padrão de prova para claims climáticos.
O que o caso Apple sinaliza para o mercado
Um tribunal de Frankfurt barrou o uso do termo “CO2‑neutral” no Apple Watch, entendendo que a comunicação confundia o consumidor ao se apoiar em créditos de carbono florestais de curta duração no Paraguai. Segundo a decisão, consumidores tendem a esperar armazenamento de carbono compatível com metas de longo prazo (até 2050), enquanto parte relevante das áreas usadas para compensação tinha contratos que expiram em 2029. O recado é claro: afirmações amplas e pouco qualificadas sobre neutralidade climática estão sob forte escrutínio, especialmente na Europa.
Além da repercussão reputacional, o caso pressiona empresas em todos os setores a reverem linguagem, lastro técnico e governança de dados por trás de suas mensagens ambientais. O risco jurídico cresce em paralelo a novas regras de defesa do consumidor na União Europeia, que limitam expressões genéricas sem comprovação e exigem transparência sobre metodologias e verificações. Em suma, a era dos claims vagos acabou.
Regulação e padrões: o novo requisito de evidências
A tendência regulatória é inequívoca. A UE avança em atualizações das regras de práticas comerciais e direitos do consumidor para “empoderar o consumidor na transição verde”, restringindo termos como “carbon neutral” sem base técnica robusta e verificável. Em paralelo, a proposta de Green Claims Directive (Diretiva de Alegações Ambientais) estabelece critérios de fundamentação e verificação independente para claims explícitos; a expectativa do mercado é de entrada em vigor a partir de meados da década, com aplicação escalonada entre 2025 e 2027.
No âmbito de produtos, o Regulamento de Ecodesign para Produtos Sustentáveis (ESPR, na sigla em inglês) introduz o Passaporte Digital do Produto (DPP) em setores prioritários a partir de 2026, exigindo dados rastreáveis sobre materiais, processos, impacto e conformidade. Isso desloca a prova do claim para o nível do produto e, em muitos casos, até do lote. Para quem exporta à UE, esse movimento se soma a exigências de relatórios mais granulares e consistentes ao longo do ciclo de vida do produto (ACV – Análise do Ciclo de Vida).
O ponto central é a verificabilidade: claims precisam evidenciar redução real de emissões, distinguir compensações de mitigação direta e explicitar horizontes temporais, limites (escopos 1, 2 e 3), fontes de dados e incertezas. Sem essa disciplina, a chance de litígio e sanções cresce.
Impactos práticos para empresas brasileiras
Para empresas brasileiras, sobretudo as que exportam ou operam com marcas globais, a implicação é imediata: alinhar a governança de claims aos padrões internacionais e preparar-se para exigências de passaporte digital. Mesmo no mercado doméstico, órgãos como o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e os Procons intensificam a fiscalização de alegações ambientais, reforçando o dever de informação clara e precisa previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Isso pede três frentes integradas: (1) dados primários de cadeia para calcular emissões e impactos por produto/lote, (2) trilhas de auditoria acessíveis que conectem cada claim às evidências subjacentes (inventários de gases de efeito estufa – GEE, certificados, laudos, notas fiscais, licenças), e (3) linguagem padronizada, com qualificação explícita do escopo, metodologia e validade. O objetivo é simples: que qualquer gestor, auditor ou autoridade consiga reconstituir o “fio da meada” do claim em minutos.
Checklist para blindar claims climáticos
- Separe claramente redução de emissões de compensações. Evite somar tudo em um único número “neutro”.
- Explique metodologias utilizadas (por exemplo, GHG Protocol e ACV) e indique os limites considerados (escopos 1, 2 e 3).
- Declare ano‑base, horizonte temporal do compromisso e como a performance é recalculada periodicamente.
- Explicite natureza, adicionalidade, permanência e riscos de créditos de carbono eventualmente usados.
- Informe datas de emissão e validade de certificados e selos; vincule cada documento ao produto/lote correspondente.
- Use dados primários de fornecedores sempre que possível; documente fontes secundárias e fatores de emissão.
- Mantenha trilhas de auditoria acessíveis (notas fiscais, laudos, licenças, medições, auditorias), com controle de versão.
- Evite termos genéricos (“eco‑friendly”, “CO2‑neutral”) sem qualificação e prova verificável.
- Submeta claims a revisão técnica e jurídica antes da divulgação; registre as evidências de aprovação.
- Planeje revisões trimestrais dos claims mais críticos e protocolos de correção pública em caso de divergências.
Como operacionalizar: dados, trilhas e auditoria contínua
Na prática, transformar o checklist em rotina depende de duas capacidades: rastreabilidade de ponta a ponta e auditoria contínua de dados. Tecnologias corporativas já permitem isso sem fricção para o time de negócio.
Para empresas que buscam estruturar evidências no nível do produto, o Passaporte Digital do Produto (DPP) da Blockforce agrega, em um único repositório, documentação de insumos, processos e certificações por lote. A solução expõe dados essenciais por QR Code e registra eventos críticos em blockchain, criando uma trilha imutável que facilita auditorias e a conformidade com o DPP europeu. Isso inclui origem georreferenciada de matérias‑primas, etapas do processo fabril, impactos ambientais e diretrizes de descarte – os elementos que sustentam, de fato, um claim.
Complementarmente, a Auditoria Inteligente por IA (inteligência artificial) identifica inconsistências entre inventários de GEE, notas fiscais, certificados e relatórios, automatizando verificações e priorizando pontos de risco antes que virem crises. Em operações de grande porte, onde circulam milhões de registros, essa camada reduz tempo de análise e aumenta a confiabilidade dos dados utilizados em comunicação externa.
No setor de moda, onde a pressão por transparência é alta, a Blockforce já opera em escala enterprise com grupos como Riachuelo, C&A, Arezzo&Co e Grupo SOMA. Em nossa base, já foram cadastrados mais de 6 milhões de produtos, com trilhas que cobrem milhares de notas fiscais e fornecedores em todo o Brasil – mostrando que rastreabilidade e governança de claims são viáveis no dia a dia industrial.
Ao final, o ganho não é só defensivo. Com dados confiáveis e padronizados, relatórios ESG (Ambiental, Social e Governança) tornam-se consistentes e comparáveis entre produtos, marcas e mercados, reduzindo retrabalho e acelerando a tomada de decisão.
O caso Apple marca um ponto de inflexão: de agora em diante, claims climáticos exigem precisão de linguagem e evidências que resistam a auditorias independentes. Para empresas brasileiras, o caminho passa por dados primários, passaportes digitais e auditorias assistidas por IA que conectem cada frase de marketing a um lastro verificável.
Uma abordagem possível envolve adotar passaportes digitais de produto para consolidar o lastro por lote e implementar auditoria inteligente contínua para detectar inconsistências antes da publicação. Assim, além de reduzir o risco de greenwashing e litígios, sua marca eleva o padrão de governança e transparência que o mercado – e a regulação – já passaram a exigir.