O caso julgado em Frankfurt contra o uso de “CO2‑neutral” acendeu o alerta: claims climáticos sem comprovação sólida e permanência documentada viram passivos jurídicos e reputacionais.

O novo patamar de risco pós-Apple

Um tribunal de Frankfurt proibiu a promoção de um produto como “CO2‑neutral” por entender que o consumidor supõe armazenamento de carbono de longo prazo, no mínimo alinhado a metas até 2050. No processo, pesou o fato de que parte relevante dos offsets estava ancorada em florestas com contratos que expiram bem antes (como 2029), abrindo brecha para reversão e, portanto, para engano. A mensagem para o mercado europeu é objetiva: alegações amplas exigem transparência sobre durabilidade, riscos e condições dos créditos usados.

Esse rigor tende a se intensificar com a agenda regulatória da União Europeia (UE): a Diretiva para Empoderar Consumidores na Transição Verde limita claims vagos, e a proposta de Diretiva de Alegações Verdes exigirá comprovação padronizada e verificação independente. Paralelamente, o Passaporte Digital de Produto (DPP) avança como instrumento estrutural de transparência na cadeia. Resultado: promessas ambientais mal fundamentadas expõem empresas a litígios, recolhimentos, multas e perda de confiança de consumidores e investidores – na Europa e além.

O que a lei e o mercado exigem: permanência, MRV robusto e rastreabilidade

Três pilares passaram a ser inegociáveis. Primeiro, permanência: quando uma marca declara neutralidade ou compensação, espera-se que o carbono removido ou evitado permaneça estocado por horizontes compatíveis com as metas climáticas (décadas, não poucos anos). Isso demanda contratos que cubram o período e descrevam mecanismos de substituição, buffers e seguros contra reversão.

Segundo, MRV – monitoramento, reporte e verificação: medições transparentes, metodologias reconhecidas, auditoria independente e documentação completa (desde inventários de gases de efeito estufa até certificados, séries temporais e relatórios técnicos) tornam o claim verificável.

Terceiro, rastreabilidade e integridade de dados: evidências precisam estar vinculadas ao produto e acessíveis. O DPP (Passaporte Digital de Produto) da UE caminha para ser o “dossiê” técnico que acompanha itens no mercado, com dados de origem, materiais, impactos e conformidade. Em contextos sensíveis como offset e remoções, uma trilha de auditoria imutável – por exemplo, on‑chain – reforça a credibilidade ao registrar termos contratuais, garantias de permanência, volumes, lotes e datas de validade.

Checklist anti‑greenwashing para marcas e varejistas

  1. Registre contratos de offsets e garantias de permanência com trilha de auditoria on‑chain: detalhe prazos, obrigações, cláusulas de substituição e seguros. Anexe também riscos e suposições.
  2. Anexe evidências e prazos diretamente ao DPP do produto: vincule inventários, certificados, verificações, números de série de créditos e datas de expiração ao passaporte digital que acompanha cada item.
  3. Adote MRV robusto e conecte‑se a registries de créditos e remoções: integre o ciclo de vida dos créditos (emissão, aposentadoria/cancelamento, rastros de compra) e harmonize metodologias.
  4. Revise a linguagem de marketing e habilite alertas de vencimento: evite termos genéricos (“neutro em carbono”) sem qualificação. Especifique escopo, fonte, tipo de crédito e horizonte de permanência. Configure alertas para renovação/substituição antes de expirar.
  5. Realize auditorias rápidas de claims com IA: varra rótulos, e‑commerce, anúncios e relatórios, cruzando com evidências e detectando lacunas, datas vencidas e inconsistências.
  6. Defina governança clara: comitê interno para aprovar alegações, responsabilidades entre Sustentabilidade, Jurídico, Marketing e Supply Chain, e trilha de decisão documentada.
  7. Treine fornecedores e parceiros: exija metadados mínimos (origem, lote, certificações, MRV) e realize due diligence periódica.

Exemplo de reformulação: em vez de “neutro em carbono”, prefira “X% das emissões remanescentes do Escopo 1+2 deste produto foram compensadas em [ano base] com créditos de remoção [metodologia], com garantia de permanência até [ano] e verificação independente [organização], vinculados ao DPP”. Clareza e limites explícitos reduzem risco.

Implicações para empresas brasileiras e como se preparar

Exportadores para a UE – especialmente em moda, alimentos, bens de consumo e eletroeletrônicos – terão seus claims escrutinados à luz de regras europeias e de consumidores cada vez mais atentos. Isso vale para rótulos físicos e promessas no e‑commerce. O ponto de partida é um inventário de emissões confiável (incluindo Escopo 3 sempre que material) e a rastreabilidade por produto ou lote para vincular evidências.

Passos práticos para os próximos 90 dias:

  1. Mapeie todas as alegações ambientais em embalagens, sites e marketplaces. Classifique risco por tipo de claim, escopo e qualidade/provas.
  2. Implemente DPP piloto em linhas prioritárias: defina o conjunto mínimo de dados (origem, materiais, impactos, MRV, créditos/removals associados) e publique via QR code.
  3. Atualize contratos de offset: inclua cláusulas de permanência alinhadas a metas longas, buffers, seguros e substituição. Documente e vincule ao produto.
  4. Estruture um repositório de evidências com controle de versões e assinaturas digitais; onde fizer sentido, registre os metadados on‑chain para imutabilidade.
  5. Revise mensagens com suporte do Jurídico e Sustentabilidade. Tire do ar alegações não comprovadas e adote linguagem qualificada.
  6. Configure rotina de auditorias rápidas (mensal/trimestral) com apoio de IA e reporte executivo com indicadores de risco.

Para empresas que buscam soluções práticas, duas capacidades ajudam a operacionalizar esse fluxo de ponta a ponta com rastreabilidade e governança:

O Passaporte Digital de Produto (DPP) da Blockforce registra, em uma camada baseada em blockchain, dados críticos do produto – origem, materiais, impactos, documentos e verificações – permitindo anexar certificados, contratos e prazos de créditos/removals diretamente ao item. Com isso, as evidências viajam com o produto, sendo acessíveis por QR code para auditorias, importadores e consumidores.

Já a Auditoria Inteligente por IA da Blockforce automatiza a checagem de alegações em rótulos, e‑commerce e materiais de marketing, cruzando textos com bases de evidências e trilhas de auditoria. Essa abordagem acelera a identificação de inconsistências, lacunas documentais e riscos de linguagem, apoiando planos de correção antes que virem litígio.

No curto prazo, a tendência é de fiscalização crescente (UE, Reino Unido e EUA), padronização de metodologias e maior peso a remoções com longa duração de armazenamento. Marcas que tratam claims como “ativos de conformidade”, embutindo permanência, MRV e trilhas de auditoria desde o design do produto, reduzem custos legais e fortalecem a confiança do mercado.

Blindar promessas climáticas não é um exercício de marketing, mas de gestão de riscos e dados. Quem fizer isso agora chegará à próxima safra regulatória com vantagem competitiva e reputação preservada.