A régua global de carbono subiu: produto por produto, com dados confiáveis e prontos para auditoria.

O que muda com a convergência ISO–GHG Protocol

A recente decisão de harmonizar os padrões da ISO (International Organization for Standardization – Organização Internacional de Padronização) com o GHG Protocol (Greenhouse Gas Protocol) estabelece um baseline global único para contabilidade de emissões corporativas e de cadeia de valor. A colaboração combina a família ISO 1406X com os padrões corporativos e de Escopos 2 e 3 do GHG Protocol em normas co‑branded, e inclui o desenvolvimento conjunto de um padrão de Product Carbon Footprint (PCF – pegada de carbono do produto).

Na prática, isso aproxima o que é medido no inventário corporativo do que será reportado financeiramente nos frameworks ESRS (European Sustainability Reporting Standards) e ISSB (International Sustainability Standards Board). Investidores e reguladores exigem dados consistentes e comparáveis; o “nível produto” deixa de ser diferencial e passa a ser requisito, especialmente para cadeias que vendem para a União Europeia sob CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) e iniciativas como o Passaporte Digital do Produto.

PCF robusto e interoperável: do inventário ao passaporte

PCF é a quantificação de emissões de um item específico, por SKU (Stock Keeping Unit – código de item) ou lote, cobrindo do berço ao portão (ou ao túmulo, conforme escopo definido). Com a convergência ISO–GHG, o PCF precisa ser calculado com métodos transparentes, fatores rastreáveis e, sobretudo, dados primários sempre que materialmente relevantes – inclusive além do fornecedor direto (Tier 1), alcançando Tier 2/3.

Interoperabilidade é a palavra-chave. O PCF deve “conversar” com relatórios ESRS/ISSB e alimentar o DPP (Digital Product Passport – Passaporte Digital do Produto), previsto no arcabouço europeu de ecodesign e transparência. O DPP demandará, progressivamente, informações padronizadas sobre composição, impacto ambiental e instruções de fim de vida. O setor de baterias inicia a obrigação primeiro, com expansão para eletrônicos, têxteis e outros segmentos ao longo desta década.

Auditorabilidade fecha o tripé. Trilhas de auditoria (registros de cálculo, versões de fatores, fontes, carimbo de tempo) precisam estar prontas para verificação independente. Assim, o mesmo dado sustenta decisões comerciais (cotações e bids), conformidade regulatória e divulgações financeiras.

Roteiro de 60 dias para empresas: do diagnóstico à verificação

É possível estruturar a transição em oito semanas, ganhando rapidez sem abrir mão de rigor metodológico:

  • Semanas 1–2 | Governança e método: definir escopo organizacional e de produtos, escolher a abordagem de PCF (ISO 1406X + GHG Protocol), estabelecer políticas de materialidade para dados primários, e mapear onde o dado “nasce” (planta, fornecedor, operador logístico).
  • Semanas 2–4 | Dados críticos e cadeia: mapear insumos-chave por SKU/lote; acoplar dados primários site-specific (consumo energético, yield, mix de processos); estender coleta além do Tier 1 quando o insumo for relevante para a variabilidade de emissões; criar mecanismos de evidência (nota fiscal, laudos, certificados, medições).
  • Semanas 4–6 | Cálculo e vínculo ao DPP: calcular PCF por produto/lote com trilha de fatores e fontes; vincular o PCF ao passaporte digital de cada item via QR Code; publicar atributos mínimos (origem, materiais, impacto) e preparar visões diferenciadas para clientes, auditores e consumidores.
  • Semanas 6–8 | Auditoria e exportações financeiras: executar checagens de consistência, amostragens e reconciliações; estruturar exportações de dados e notas explicativas alinhadas a ESRS/ISSB; documentar hipóteses, incertezas e controles internos.

Três decisões aceleram resultados: (i) priorizar produtos com maior receita e exposição à UE; (ii) focar nos “drivers de carbono” que explicam 80% da variação (matérias‑primas, energia e processos térmicos); (iii) desenhar a integração com sistemas internos (ERP – Enterprise Resource Planning) e bases fiscais para automatizar atualizações.

Impactos para empresas brasileiras

Exportadores e multinacionais com plantas no Brasil sentirão primeiro. Indústrias de baterias, eletrônicos, têxteis, agroalimentos e químicos terão de comprovar PCF por SKU/lote, com dados primários de fornecedores nacionais e regionais. A boa notícia: o país possui cadeias já digitalizadas em notas fiscais eletrônicas e documentação de insumos – um ativo valioso para reduzir incertezas de Escopo 3.

Para quem compra matérias‑primas intensivas em carbono (aço, alumínio, resinas, fertilizantes), a coleta de dados site-specific de Tier 2/3 se torna estratégica. Contratos e cadastros de fornecedor devem passar a exigir: fatores de emissão específicos, garantias de origem e disponibilidade de evidências. Em paralelo, times de Finanças e Sustentabilidade precisam convergir: o dado do PCF será insumo para reportes sob ESRS/ISSB e influenciará preços, margens e elegibilidade em compras públicas e privadas.

Tendências: do número anual ao dado vivo

A harmonização ISO–GHG e o avanço do DPP conduzem a três tendências claras: (1) métricas “vivas”, atualizadas por lote e período; (2) aumento do uso de dados primários ao longo da cadeia, com redução de fatores genéricos; (3) rastreabilidade digital como camadas de confiança – incluindo tecnologias de registro imutável quando a criticidade do dado e a exposição a auditorias o justificarem.

Nesse contexto, o PCF deixa de ser um anexo técnico e passa a ser um atributo competitivo de produto, utilizado em propostas comerciais, selos de conformidade e plataformas de e‑procurement.

Executivos que anteciparem essa virada em 60 dias colhem ganhos rápidos: inventários mais consistentes, redução de risco em auditorias, maior elegibilidade em mercados exigentes e base pronta para escalar a descarbonização com decisões orientadas por dados.

Para empresas que buscam soluções práticas nesse caminho, tecnologias como a Calculadora de Carbono baseada em IA da Blockforce (inventários de Escopos 1–3 e PCF por produto/lote com dados primários da cadeia) e o Passaporte Digital do Produto em blockchain (rastreabilidade, publicação via QR Code e trilha de auditoria) ajudam a acelerar a padronização, a vinculação do PCF ao DPP e a preparação para verificações independentes – mantendo o foco na interoperabilidade com ESRS/ISSB.

Se sua organização precisa entender rapidamente gaps e priorizar frentes de ação, um diagnóstico estruturado em poucas semanas pode ser o primeiro passo para uma conformidade robusta e auditável.