Prazos afrouxaram, mas a pressão de mercado não — quem se adianta vence.

O que mudou em Singapura e por que importa agora

Singapura decidiu flexibilizar o cronograma de reporte climático baseado no International Sustainability Standards Board (ISSB), órgão ligado à Fundação IFRS (International Financial Reporting Standards). A Accounting and Corporate Regulatory Authority (ACRA) e a Singapore Exchange Regulation (SGX RegCo) mantiveram a obrigação de todas as listadas reportarem emissões de gases de efeito estufa (GEE) de Escopos 1 e 2 a partir do exercício fiscal de 2025, mas aliviaram outras exigências, especialmente para empresas menores fora do Straits Times Index (STI). Há um sistema em três camadas: companhias do STI seguem no ritmo original; outras listadas e grandes não listadas ganharam prazos estendidos — com Escopo 3 voluntário por mais tempo e marcos que podem ir até 2028–2030, e exigência de asseguração externa postergada até 2032 em alguns casos.

Para fornecedores globais (inclusive no Brasil), isso não é uma licença para esperar. Grandes compradores — especialmente os que seguem o STI ou operam em múltiplas jurisdições — continuarão exigindo dados confiáveis de Escopos 1 e 2 dos seus parceiros, e progresso consistente rumo ao Escopo 3. Quem se antecipa reduz risco regulatório e protege receita junto a clientes estratégicos.

Dados que contam: do ERP ao produto

O ponto de partida é organizar dados primários. Emissões de Escopo 1 (fontes próprias) e Escopo 2 (energia adquirida) podem ser medidas com precisão se a coleta for desenhada desde as operações. Quatro blocos práticos:

  1. Energia: contas de eletricidade, contratos de demanda, medidores e fatores de emissão aplicáveis.
  2. Processos: consumo de combustíveis, vapor, refrigeração, fornos, geradores e perdas técnicas.
  3. Notas fiscais e compras: integração de documentos fiscais e cadastro de insumos para vincular consumo a produtos e linhas.
  4. Transportes: frota própria (Escopo 1) e eletricidade para logística interna (Escopo 2), com rotas, quilometragem e tipos de veículo.

Conectar essas fontes ao nível de produto viabiliza dois ganhos: relatórios alinhados ao ISSB e ao Global Reporting Initiative (GRI), e uma pegada de carbono por SKU/lote que acelera negociações com varejistas e marcas que já adotam passaportes digitais de produto (DPP, do inglês Digital Product Passport).

Um plano de 90 dias para Escopos 1 e 2

Executivos precisam de pragmatismo. Abaixo, um roteiro factível em três sprints, usando dados primários e rastreabilidade por produto para acelerar o alinhamento ao ISSB.

0–30 dias: diagnóstico e fundações

  1. Mapeamento rápido de ativos emissores (caldeiras, geradores, HVAC), contas de energia e contratos.
  2. Inventário base com fatores de emissão oficiais e hipóteses documentadas.
  3. Integrações leves com ERP (planejamento de recursos empresariais) e bases de notas fiscais para vincular consumo e produção.
  4. Piloto de rastreabilidade em 1–2 linhas prioritárias com alto giro ou relevância comercial.

31–60 dias: do dado operacional ao produto

  1. Implantação do Passaporte Digital do Produto (DPP) nas linhas piloto, com QR Code em etiqueta e consolidação de origem, materiais e processos.
  2. Automação do cálculo de Escopos 1 e 2 com a Calculadora de Carbono baseada em inteligência artificial (IA), alimentada por dados primários de energia, processos e transportes.
  3. Revisões internas de governança: papéis, aprovações e trilhas de auditoria para cada ajuste de dado.

61–90 dias: reporte e escala

  1. Relatórios alinhados a ISSB/GRI com notas metodológicas, incertezas e reconciliações.
  2. Expansão do DPP para mais SKUs e fornecedores críticos, priorizando itens exportados e clientes estratégicos.
  3. Indicadores-chave (KPIs) e metas de intensidade (tCO₂e/unidade, tCO₂e/MWh), com plano de melhoria contínua.

O resultado esperado ao final de 90 dias: inventário auditável de Escopos 1 e 2, rastreabilidade por produto nas linhas críticas e capacidade de responder a pedidos de informação de compradores globais com granularidade e rapidez.

Governança e auditabilidade: o papel do blockchain permissionado

Quando diferentes áreas e fornecedores alimentam um mesmo sistema, a governança dos dados decide a confiabilidade do relato. Em redes empresariais, um blockchain permissionado — no qual somente participantes autorizados validam e acessam registros — cria uma trilha imutável de cada evento: criação de um passaporte de produto, atualização de um fator de emissão, aprovação de um relatório.

Na prática, isso significa:

  1. Integridade de ponta a ponta: qualquer alteração deixa rastro, facilitando auditorias e asseguração futura.
  2. Controle de acesso: dados sensíveis (custos, fórmulas, listas de fornecedores) permanecem restritos sem perder verificabilidade.
  3. Interoperabilidade: o passaporte digital pode ser compartilhado com clientes e reguladores sem replicar planilhas.

Esse desenho reduz custo de conformidade ao longo do tempo e aumenta a confiança de compradores e auditores — um diferencial quando a SGX e outras bolsas avançarem na exigência de asseguração independente.

Aprendizados do campo: moda, escala e fornecedores

Em operações reais no setor de moda, a Blockforce já rastreou mais de 6 milhões de produtos, integrou 1.236 fornecedores e acompanhou dezenas de milhares de notas fiscais na mesma trilha de auditoria. O que aprendemos que se aplica a qualquer indústria:

  1. Comece pelo que mais vende: priorizar SKUs de alto giro acelera retorno e cria narrativa comercial.
  2. Padronize dados fiscais: NFs estruturadas reduzem retrabalho no vínculo entre consumo e produto.
  3. Engaje fornecedores com benefícios: passaporte digital melhora reputação e velocidade de homologação.
  4. Auditoria contínua: trilhas imutáveis diminuem o esforço de verificação no fechamento do ano.

Para empresas brasileiras que fornecem para marcas listadas em Singapura ou para multinacionais que seguirão o ISSB, essa disciplina de dados já é exigência de mercado. O intervalo aberto pela flexibilização regulatória é a janela para consolidar vantagem competitiva.

Para empresas que buscam reduzir risco e ganhar velocidade, duas abordagens têm mostrado maior impacto: o Passaporte Digital do Produto para rastreabilidade por SKU/lote e a Calculadora de Carbono com IA para automatizar os inventários de Escopos 1 e 2 com dados primários. Com relatórios estruturados desde o início para ISSB/GRI e governança em blockchain permissionado, a jornada de conformidade se transforma em ativo comercial — e não em custo inevitável.