Sem materialidade contínua, a CSRD vira risco estratégico. Veja como transformar o reporte em um processo vivo e auditável.

Por que a régua subiu: CSRD, ESRS e due diligence na prática

A Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa da União Europeia (CSRD, na sigla em inglês) elevou o patamar de transparência, exigindo que empresas reportem sob os Padrões Europeus de Relato de Sustentabilidade (ESRS, European Sustainability Reporting Standards) com base em dupla materialidade: impactos para a sociedade e o meio ambiente, e riscos/ oportunidades financeiros para o negócio. Isso vem acompanhado de asseguração independente (assurance), controles internos e rastreabilidade de dados. Na Europa, a discussão regulatória também conecta a CSRD à diligência devida da cadeia (CSDDD, Corporate Sustainability Due Diligence Directive), ao mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, Carbon Border Adjustment Mechanism) e ao regulamento antidesmatamento (EUDR, European Union Deforestation Regulation). Juntas, essas regras tornam inevitável a coleta de dados primários da cadeia e a verificação por produto e fornecedor.

Na prática, a CSRD não aceita atalhos: fatores médios podem até iniciar o processo, mas a direção é inequívoca rumo a dados primários, verificação e trilha de auditoria. A asseguração começa de forma limitada e evoluirá para níveis mais robustos, demandando governança, qualidade de dados e processos repetíveis. O recado é claro: o ciclo anual de “fechamento” precisa dar lugar a um sistema permanente de dados, controles e evidências.

Materialidade viva: do exercício pontual ao sistema contínuo

O método tradicional de fazer avaliação de materialidade a cada 1–3 anos não acompanha a velocidade do risco. A dupla materialidade é dinâmica: temas podem mudar de relevância em semanas. Empresas líderes estão incorporando análises de sustentabilidade nos processos de gestão de risco e decisão operacional, conectando dados de sustentabilidade a finanças, compras, recursos humanos e inovação. Quando dependências e impactos ficam visíveis quase em tempo real, a organização consegue antecipar riscos, capturar oportunidades e responder rapidamente a mudanças regulatórias e de mercado.

Esse é o sentido de uma materialidade “que nunca dorme”: um sistema que monitora a cadeia, valida dados, reavalia temas materiais conforme o negócio evolui e mantém o reporte pronto para asseguração. Em outras palavras, um ciclo contínuo de captura, cálculo, consolidação e relato.

Dados primários por produto e fornecedor: base para Escopo 3 e ESRS

O maior desafio está no Escopo 3 (emissões indiretas na cadeia de valor), que exige granularidade por categoria, produto e, idealmente, fornecedor. O GHG Protocol orienta a priorização de dados de maior qualidade (primários) e a transparência de metodologias. Ao mesmo tempo, a agenda europeia de produto avança com o Passaporte Digital do Produto (DPP, Digital Product Passport), previsto no regulamento de Ecodesign para Produtos Sustentáveis (ESPR, Ecodesign for Sustainable Products Regulation), que demanda informações verificáveis de ciclo de vida e circularidade. Em cadeias expostas a desmatamento ou trabalho forçado, regulamentos como EUDR e outras listas restritivas exigem geolocalização, evidências de cadeia de custódia e diligência devida ativa.

Conclusão prática: sem dados primários confiáveis, por produto e fornecedor, não há como sustentar o relato ESRS, atender a auditoria, responder ao CBAM com precisão ou cumprir diligência sob a CSDDD. O engajamento estruturado de fornecedores e a integração com ERPs e portais de compras deixam de ser “boas práticas” e passam a ser requisitos de conformidade.

Como operacionalizar: um ciclo contínuo com governança robusta

Para sair do “fechamento anual” e operar em regime permanente, sugerimos um ciclo em cinco passos, com responsabilidades claras (RACI), cadências definidas e trilha de auditoria:

  • 1) Governança e controles: defina escopos, políticas, responsáveis e comitês; estabeleça controles de qualidade de dados, versionamento, data lineage e evidências; prepare o ambiente para asseguração independente.
  • 2) Captura de dados primários: integre ERPs, sistemas de logística e portais de fornecedores; normalize taxonomias (por SKU, lote, planta); colete evidências (certificações, notas, geolocalização) e mantenha trilha verificável.
  • 3) Cálculo e validação de emissões: mensure Escopos 1, 2 e 3 conforme GHG Protocol, priorizando dados primários; aplique fatores atualizados, reconcilie com dados operacionais e crie revisões independentes para “prontidão de asseguração”.
  • 4) Consolidação por produto (DPP): organize dados de ciclo de vida e circularidade para o Passaporte Digital do Produto quando aplicável, com campos exigidos pelo ESPR e referências a evidências verificáveis.
  • 5) Mapeamento ESRS e relato: traduza o núcleo de dados para os requisitos dos ESRS, mantendo o dossiê de suporte (políticas, métricas, metas, planos) e o pacote de auditoria sempre atualizado.

Nesse contexto, soluções modulares ajudam a acelerar a maturidade com governança. Quando a agenda exige rastreabilidade por produto/fornecedor, cálculo de emissões e reporte alinhado aos ESRS, a Blockforce disponibiliza módulos que podem ser plugados ao seu ecossistema de dados: o Passaporte Digital do Produto para consolidar evidências por produto e cadeia; a GHG Calculator, com IA para mensurar emissões nos Escopos 1, 2 e 3 conforme GHG Protocol e CSRD; o ESG Report Assistant, que organiza e mapeia automaticamente o núcleo de dados para os requisitos dos ESRS e outros padrões; e o Compliance 360, que sustenta a diligência devida, onboarding e monitoramento contínuo de fornecedores com scorecards de compliance em tempo real. O objetivo é simples: transformar dados fragmentados em um processo contínuo, auditável e pronto para mudanças regulatórias.

Implicações para empresas brasileiras

Mesmo fora da União Europeia, companhias brasileiras estão expostas via exportações, cadeias globais e financiadores. O CBAM afeta setores intensivos em carbono (como aço, cimento, alumínio e fertilizantes), exigindo relatórios de emissões incorporadas e, gradualmente, gerando passivos financeiros. O EUDR impacta commodities como café, cacau, soja, borracha e madeira, pedindo georreferenciamento por talhão e prova de cadeia de custódia. A CSDDD impulsiona a diligência devida além do fornecedor direto. Em paralelo, no Brasil, a Resolução CVM 193 caminha para convergência com as normas do International Sustainability Standards Board (ISSB), incluindo a IFRS S2 (divulgações climáticas), o que reforça a necessidade de controles e dados consistentes.

Para multinacionais com operações no Brasil ou exportadores, isso significa: (i) criar um núcleo de dados único que sirva tanto ao ESRS quanto às exigências locais; (ii) profissionalizar o relacionamento com fornecedores, com coleta de dados primários e planos de melhoria; (iii) alinhar compras, finanças e sustentabilidade, pois materiais, contratos e investimentos passam a depender de métricas ESG verificáveis.

Boas práticas e benchmarks para acelerar

  • Cadência trimestral de materialidade: revisite temas materiais e riscos regulatórios em um comitê interfuncional (Sustentabilidade, Compras, Jurídico, Finanças, Operações).
  • Modelo de dados e taxonomias: padronize SKUs, plantas, fornecedores e categorias do GHG Protocol; documente métodos e premissas.
  • Qualidade e assegurabilidade: implemente checagens automáticas, amostragens e revisões independentes; mantenha um “pacote de auditoria” vivo com evidências e trilhas.
  • Engajamento de fornecedores: combine portais de dados, planos de capacitação e incentivos; priorize fornecedores críticos por risco e emissões.
  • Prontidão para DPP: identifique linhas de produto impactadas pelo ESPR; teste pilotos de passaporte digital com dados de ciclo de vida.

Próximos passos: do compliance à vantagem competitiva

O movimento regulatório não vai desacelerar. O GHG Protocol segue em evolução, e a asseguração ESG tende a ficar mais rigorosa. Empresas que estruturarem materialidade viva, dados primários e governança contínua não apenas cumprem a CSRD: reduzem custo de capital, melhoram eficiência de compras, aceleram inovação em produto e protegem sua licença social para operar.

Comece pequeno, mas comece certo: escolha um portfólio ou região piloto, conecte dados primários, rode o ciclo completo (captura–cálculo–DPP–ESRS) e valide com o auditor. Escale em ondas, reforçando controles e ampliando o escopo conforme a maturidade.

Convite à ação: que tal avaliar, com base em evidências, a prontidão da sua organização? Agende um diagnóstico de 30 minutos para mapear lacunas de materialidade, dados e governança rumo à conformidade com a CSRD.