Reguladores avançam para aceitar relatórios de sustentabilidade entre jurisdições. Isso só funciona com dados interoperáveis, rastreáveis e auditáveis, por produto e por cadeia.

Por que o “passporting” do ISSB reduz duplicidade e retrabalho

O International Sustainability Standards Board (ISSB) vem articulando mecanismos para que seus padrões IFRS S1 e IFRS S2 (International Financial Reporting Standards para sustentabilidade e clima) funcionem como um “passaporte” global. Em linhas gerais, relatórios preparados sob S1/S2 poderiam ser aceitos por diferentes jurisdições com ajustes locais mínimos. Segundo comunicados recentes do ISSB, mais de 40 países já anunciaram planos de adoção, cobrindo cerca de 40% da capitalização global — um passo importante para reduzir fragmentação regulatória.

Para empresas multinacionais, o ganho é claro: menos versões de um mesmo relatório, menor custo de compliance e maior comparabilidade para investidores. Porém, o passaporte só “carimba” se o conteúdo for consistente. Isso exige dados estruturados, interoperáveis e verificáveis em nível de SKU (Stock Keeping Unit, unidade de manutenção de estoque), fornecedores e elos da cadeia. Sem rastreabilidade e trilhas de auditoria, a promessa de um relatório para muitos mercados vira retrabalho.

Quais dados mínimos capturar por SKU e fornecedor

O ponto de partida é definir um núcleo de dados capaz de alimentar S1/S2 e outras exigências. Em termos práticos, as empresas devem capturar, no mínimo:

  • Identidade do produto (SKU): código, descrição, categoria, composição/insumos críticos e vínculos com lotes.
  • Origem e cadeia de custódia: fazenda/fornecedor primário, georreferenciamento quando aplicável, modelo de cadeia (segregação, balanço de massa ou mistura), datas/volumes, e documentação associada.
  • Fornecedores e contrapartes: identificação oficial (ex.: CNPJ), certificações vigentes, status em listas restritivas e evidências de due diligence.
  • Aspectos ambientais (clima, água, resíduos): dados de atividade para estimar emissões conforme o GHG Protocol (Greenhouse Gas Protocol) nos Escopos 1, 2 e 3; fatores de emissão; consumo energético; e métricas de uso de recursos.
  • Aspectos sociais e de governança: políticas, treinamentos, eventos e indicadores relevantes à materialidade setorial (ex.: saúde e segurança, direitos humanos).
  • Evidências e metadados: documentos fonte, fotos, certificados, notas fiscais, carimbos de tempo, responsável pelo registro e versão dos dados.

Essa base deve ser atualizada com governança clara, controles de qualidade e capacidade de “provar” a origem de cada número e afirmação. Sem metadados e versionamento, é impossível sustentar a consistência que o passaporte ISSB requer.

Como transformar evidências em pacotes consistentes para múltiplos mercados

Relatórios interoperáveis não nascem na etapa final; eles são resultado de dados bem modelados desde a origem. Alguns princípios operacionais ajudam a converter evidências em “pacotes” prontos para diferentes exigências:

  • Modelo de dados comum: normalize IDs de produto, fornecedor e local, e adote taxonomias estáveis para categorias e processos.
  • Mapeamento para padrões: mantenha uma camada de mapeamento que relacione seus dados internos às divulgações do IFRS S1/S2, aos ESRS (European Sustainability Reporting Standards) e a obrigações temáticas como CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism) e EUDR (EU Deforestation Regulation), quando aplicável.
  • Pacotes por produto e por relatório: componha dossiês por SKU/lote com evidências, métricas e metadados; a partir desse núcleo, gere vistas específicas para S1/S2, ESG corporativo e relatórios regulatórios.
  • Trilhas de auditoria e integridade: registre alterações, quem fez, quando e por quê; associe documentos fonte e use carimbos de tempo. Onde fizer sentido, adote registros imutáveis para fortalecer a confiabilidade.
  • Intercâmbio legível por máquina: priorize formatos padronizados (ex.: JSON-LD e APIs) para acelerar revisões, reuso e asseguração.

O resultado é um repositório único que “fala várias línguas”: a mesma base técnica suporta S1/S2 e minimiza customizações por jurisdição.

Melhores práticas, benchmarks e como acelerar

  • Materialidade conectada à operação: alinhe temas materiais a métricas que existem no chão de fábrica e na cadeia — não só no escritório corporativo.
  • Integração de sistemas: conecte ERPs, PLMs e WMS a portais de fornecedores e evidências de campo para reduzir planilhas manuais.
  • Due diligence contínua: monitore fornecedores com validações automáticas de documentos, listas restritivas e alertas para lacunas.
  • Preparação para asseguração: trate cada dado como auditável: fonte, método, estimativa/fator, versão e responsável.
  • Automação e IA: use OCR/NLP para extrair dados de notas e certificados, e algoritmos para checagens de consistência.

Como referência prática, a Blockforce.ai estrutura um “núcleo de dados” de cadeia com rastreabilidade e transparência auditável. O Digital Product Passport (DPP) organiza dossiês por produto/SKU e integra certificações e evidências regulatórias, com trilhas imutáveis em blockchain quando necessário, reduzindo disputa sobre a origem dos dados. Já o ESG Report Assistant consolida e estrutura informações ESG de múltiplas fontes, com mensuração de emissões nos Escopos 1, 2 e 3 conforme o GHG Protocol, além de automações de verificação e extração de documentos. Em conjunto, essas capacidades ajudam a mapear dados para diferentes padrões (como IFRS S1/S2 e diretrizes europeias), simplificando a geração de vistas específicas por mercado, sem retrabalho.

Setores como agronegócio, alimentos e bebidas, cosméticos e bens de luxo se beneficiam especialmente desse arranjo, pela necessidade de dossiês por SKU/lote, comprovação de origem e documentação pronta para auditoria e exportação.

Checklist prático: readiness em 30 dias

  • Dias 1–5 | Escopo e materialidade: defina os produtos/SKUs prioritários, mercados-alvo e temas materiais; liste exigências S1/S2 relacionadas.
  • Dias 6–10 | Inventário de dados: mapeie fontes (ERP, planilhas, fornecedores), lacunas por disclosure e responsáveis; priorize Escopo 3 crítico.
  • Dias 11–15 | Modelo e metadados: normalize IDs de SKU/fornecedor, crie taxonomias e o dicionário de dados; estabeleça convenções de versionamento.
  • Dias 16–20 | Evidências e automação: conecte documentos fonte, habilite OCR/NLP e regras de validação; configure coleta por lote/fornecedor.
  • Dias 21–25 | Pacotes e mapeamento: componha dossiês por SKU; mapeie os campos a S1/S2 e gere as primeiras “vistas” por jurisdição.
  • Dias 26–30 | Asseguração e melhoria contínua: rode testes de auditoria (trilha, amostragem, reconciliação), corrija lacunas e planeje o ciclo trimestral.

Próximos passos e tendências: a aceitação transfronteiriça deve aumentar, elevando a exigência por asseguração independente; cadeias de custódia e passaportes digitais de produto ganharão espaço; e a interoperabilidade via APIs e dados legíveis por máquina se tornará condição mínima para reduzir custo de compliance.

Conclusão

O “passaporte” ISSB diminui custo e risco ao substituir múltiplos relatórios por um núcleo de dados reutilizável. Para capturar esse valor, é essencial operar em nível de produto e fornecedor, com metadados ricos, mapeamento para S1/S2 e trilhas de auditoria que resistam ao escrutínio.

O convite é objetivo: selecione uma família de SKUs, aplique o checklist de 30 dias e teste o modelo de “um relatório, muitos mercados”. Quem começar agora chegará às próximas janelas regulatórias com dados mais confiáveis, menos retrabalho e maior confiança de auditoria.