O dinheiro está pedindo provas. Bancos globais já priorizam quem entrega dados confiáveis de cadeia de valor, pegada de carbono por produto e planos auditáveis. O movimento ganhou tração: apenas no 1º semestre de 2025, o HSBC mobilizou US$ 54,1 bilhões em finanças sustentáveis (US$ 448 bilhões acumulados rumo à meta), sinalizando que capital e preço dependerão de evidências robustas.
Para executivos financeiros e de sustentabilidade, a mensagem é clara: inventários corporativos genéricos já não bastam. O diferencial competitivo virá de dados granulares, auditáveis e conectados ao fluxo operacional, capazes de sustentar metas e covenants de sustentabilidade.
Por que os bancos estão elevando a régua dos dados climáticos
Instituições financeiras aceleraram suas metas climáticas e precisam mensurar com precisão as chamadas “emissões financiadas” — as emissões de gases de efeito estufa (GEE) associadas às carteiras de crédito e investimentos. A metodologia do PCAF (Partnership for Carbon Accounting Financials) vem se consolidando como referência para padronizar essa mensuração por classe de ativo e qualidade de dados.
Ao mesmo tempo, normas de divulgação como as do ISSB (International Sustainability Standards Board) e exigências regulatórias na Europa, como a CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), estão empurrando as empresas para dados verificáveis e digitalmente rastreáveis. Em paralelo, o mercado de capitais diferencia preço e acesso por qualidade de evidências — o chamado greenium (prêmio de preço para ativos com atributos ambientais mais críveis) é um reflexo direto da confiança nos dados.
Esse contexto muda o diálogo com bancos: relatórios narrativos perdem espaço para pegadas por produto, planos de transição alinhados à SBTi (Science Based Targets initiative) e trilhas de auditoria que resistam à verificação independente.
O que muda na prática: de inventário corporativo à pegada por produto
Inventários organizacionais de GEE (escopos 1, 2 e 3) continuam necessários, mas deixaram de ser suficientes. Credores querem entender a intensidade de carbono por produto, linha, lote e fornecedor, e como essa intensidade evolui com investimentos e mudanças operacionais. Isso reduz incerteza no cálculo das emissões financiadas, melhora a pontuação de qualidade de dados no PCAF e encurta discussões de elegibilidade para crédito sustentável.
Nesse novo padrão, o dado nasce e viaja com o produto. É aqui que passaportes digitais — Digital Product Passport (DPP) — ganham papel estratégico: consolidam atributos do produto, origem de insumos, evidências de conformidade e indicadores ambientais, criando um “núcleo de dados” que pode ser verificado e compartilhado sob demanda.
Caminho prático de dados: unificar, calcular, divulgar
Executivos buscam um roteiro pragmático que integre sustentabilidade, risco e finanças. Um caminho objetivo envolve três movimentos complementares, suportados por integrações com o ERP e por uma trilha de auditoria robusta:
- Unificar no DPP (Digital Product Passport): consolidar dados de cadeia (fornecedor, lote, origem, certificações, evidências) e operacionais (produção, logística, consumo de energia), evitando novos silos e preservando a governança e o lineage de dados. Registros imutáveis em blockchain podem reforçar a integridade e a verificabilidade das evidências ao longo do tempo.
- Calcular emissões com IA: aplicar uma calculadora de GEE com inteligência artificial para compor inventários e pegadas por produto, combinando fatores de emissão, dados primários de fornecedores e estimativas guiadas por qualidade (conforme PCAF). A IA ajuda a classificar riscos, sinalizar lacunas, priorizar coleta de dados e simular impactos de iniciativas de descarbonização.
- Consolidar divulgações e métricas: organizar as evidências para relatórios alinhados a ISSB/CSRD, metas SBTi e solicitações de due diligence de bancos e auditorias. Um assistente de reporte ESG agiliza a produção de narrativas, métricas e anexos, mantendo consistência com o núcleo de dados do produto.
No ecossistema da Blockforce, o DPP atua como base de rastreabilidade e conformidade; sobre ele, módulos de IA classificam riscos, validam conformidade e transformam dados em insights operacionais e relatórios prontos para auditoria. Essa abordagem reduz custo e tempo de auditoria, melhora a qualidade de dados reportados ao PCAF e acelera processos de crédito sustentável.
Implicações para empresas brasileiras
Para empresas no Brasil que buscam capital de bancos locais e globais, ou que exportam para mercados com regulamentações mais rígidas, o recado é direto: a capacidade de provar, por produto, a evolução da intensidade de carbono e a robustez do plano de transição será critério de preferência. Setores intensivos em cadeia (agronegócio, alimentos e bebidas, bens de consumo) tendem a ser pressionados primeiro, dada a relevância de fornecedores e transporte no escopo 3.
Desafios típicos incluem lacunas em dados de fornecedores, inconsistências nos fatores de emissão e dificuldade de manter trilhas auditáveis ao longo de múltiplos sistemas. Boas práticas para endereçar esses pontos:
- Onboarding estruturado de fornecedores: due diligence automatizada (documentos, certificações e listas restritivas) e coleta orientada de dados primários, com rotinas de monitoramento contínuo.
- Governança e interoperabilidade: integrações “plug-and-play” com sistemas existentes, políticas claras de qualidade de dados e fluxos de aprovação entre Sustentabilidade, Operações e Finanças.
- Trilha de auditoria end-to-end: registros imutáveis, amostragem verificável e vínculo entre dado, evidência e decisão (quem, quando, por que).
Ao amadurecer esse arcabouço, as empresas ganham velocidade para responder a questionários de bancos, comprovar elegibilidade para linhas de transição, negociar spreads atrelados a indicadores e sustentar emissões sustentáveis no mercado de capitais.
Melhores práticas, benchmarks e referências do mercado
- PCAF – Qualidade de dados: melhore gradualmente o score, substituindo proxies por dados primários de fornecedores e medições de processo; documente todas as premissas.
- ISSB/CSRD – Coerência entre métricas e narrativa: alinhe indicadores financeiros e climáticos; garanta consistência entre notas técnicas, suposições de fatores de emissão e demonstrações.
- SBTi – Metas e plano de transição: estabeleça metas baseadas na ciência e conecte iniciativas (eficiência, compra de energia renovável, mudanças de matéria-prima) à redução de intensidade por produto.
- Verificação independente: parceiros de auditoria e avaliação ESG (por exemplo, alianças como as de verificação de práticas com organismos reconhecidos) elevam a credibilidade das divulgações.
- APIs e dados em tempo quase real: o avanço de APIs corporativas para emissões e ferramentas analíticas de transição está tornando a integração com ERP e plataformas de fornecedores mais direta.
- Data lineage e imutabilidade: preserve histórico completo de alterações, com mecanismos de integridade (incluindo blockchain quando adequado) para facilitar amostragens e testes de auditoria.
- Treinamento e governança: capacite times financeiros e de compras; defina papéis, responsabilidades e rituais de revisão periódica de indicadores críticos.
Tendências e próximos passos
O ecossistema regulatório e de mercado converge para padrões globais. Iniciativas internacionais ampliam a interoperabilidade de divulgações e mapeiam ferramentas digitais para apoiar especialmente PMEs, enquanto provedores de tecnologia lançam APIs para embutir dados de emissões em sistemas corporativos. Organizações como a SBTi expandem a rede de especialistas certificados para suportar a definição de metas e a execução de planos de transição.
Para quem busca preferência dos bancos, a direção é inequívoca: dados confiáveis e auditáveis, ancorados no produto, integrados aos processos operacionais e financeiros. Quanto antes a empresa consolidar um DPP robusto, automatizar cálculos com IA e profissionalizar o reporte ESG, mais cedo colherá ganhos em custo de auditoria, velocidade de análise e condições de financiamento.
Em resumo: trate dados de clima como infraestrutura crítica do negócio. Avalie sua maturidade, defina um roadmap de 90 dias para fechar as maiores lacunas de dados, alinhe Sustentabilidade, Operações e Finanças em torno de um núcleo unificado e trabalhe com parceiros que priorizem auditabilidade e integração. Esse é o tipo de prova que o dinheiro, cada vez mais, está exigindo.
